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2020/16/04
Risco País e Estudos Económicos

América Latina: A Covid-19 chegou a uma região com enfermidades pré-existentes.

América Latina: A Covid-19 chegou a uma região com enfermidades pré-existentes.

O QUÊ

 

A COVID-19 chegou à América Latina relativamente tarde. O primeiro caso foi detetado no Brasil a 26 de Fevereiro de 2020, quando um senhor de 61 anos de idade testou positivo após uma viagem ao Norte de Itália. Desde então, o vírus propagou-se por toda a região. A partir de 3 de Abril de 2020, tendo em conta as sete maiores economias - Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México e Peru -o vírus já infetou 19.563 pessoas e já ceifou 582 vidas. A maior parte do contágio foi relatada no Brasil (7910), seguido do Chile (3404), Equador (3163), México (1378), Peru (1414), Argentina (1133) e Colômbia (1161). No entanto, vale a pena notar que estes números estão provavelmente subestimados, devido aos atrasos na partilha de informação e à falta de testes. Globalmente, a chegada da COVID 19 à América Latina deteriorou ainda mais as baixas perspetivas de crescimento para 2020 (a Coface espera agora que o crescimento do PIB da região caia para -2,1% este ano, contra a estimativa de +1% no início deste ano).

 

PORQUÊ

O contágio tardio e uma demografia favorável, poderiam ajudar a suavizar a COVID-19 presente por toda a região. Quanto ao primeiro argumento, os líderes latino-americanos contam com um período relativamente mais longo de monitorização global do vírus, o que abre uma janela de oportunidade para tentar conter a curva de contágio.

Em relação à demografia, a COVID-19 é geralmente conhecida por ter uma maior severidade entre os idosos. De acordo com as estatísticas do Banco Mundial, a população com 65 anos ou mais representa, em média, 8% da população total da América Latina. Este valor é bastante inferior às taxas observadas na Europa e na Ásia Central (16%) e na América do Norte (16%). No entanto, prevalece um sistema de saúde precário, um mercado de trabalho informal, elevadas taxas de pobreza e os recursos públicos são limitados.
Como referência, o rácio de camas hospitalares por 1000 habitantes é em média de 2,2 na América Latina, ou seja, consideravelmente inferior ao da Europa e Ásia Central (5,9), Ásia Oriental e Pacífico (4,4) e América do Norte (2,9). Além disso, o mercado de trabalho na região é essencialmente informal, representando 53% da mão-de-obra (contra 25% na Europa e na Ásia Central e 18% na América do Norte). As perdas para os trabalhadores deste grupo são habitualmente maiores, uma vez que estes normalmente não receberão qualquer rendimento ou benefício se estiverem em quarentena.

Por último, mas não menos importante, desde o final do melhor período para as comodities (principalmente após 2014), as dívidas públicas dos países da América Latina aumentaram consideravelmente (auxiliadas por uma abundante liquidez global).
Isto significa que os seus governos têm um espaço limitado para lançar grandes pacotes fiscais expansionistas. Para além da fragilidade acima mencionada, este ano começou já com grandes desafios pela frente. Durante o segundo semestre de 2019, vários países da América Latina enfrentaram grandes conflitos sociais (alguns outros países igualmente vulneráveis conseguiram evitá-los).

Embora os protestos tenham sido provocados por diferentes factores, os países afectados partilham as mesmas condições, como as elevadas desigualdades e as baixas taxas de crescimento. Estes factores serão ainda mais pressionados com a chegada da COVID-19 à região e com a actual baixa popularidade dos governos.

RISCOS

 

Na generalidade, para economias emergentes como a América Latina, uma crise económica tem quatro grandes canais de contágio para a actividade:

 

  • choque de abastecimento- as rupturas desencadeadas na China que mais tarde atingiram outros mercados, à medida que o vírus se propagava a nível mundial;
  • choque da procura - relacionado com medidas de contenção,
  • preços mais baixos das matérias-primas - que não podem ser subestimados numa região conhecida pelos seus vastos recursos em matérias-primas e
  • falta de financiamento em Dólares americanos, num período em que a aversão ao risco a nível mundial está a aumentar.

 

Além disso, o cenário de base da Coface pressupõe que a América Latina atingirá o pico negativo no final do segundo trimestre de 2020, seguido de uma reabertura gradual no terceiro e quarto trimestre de 2020 (embora as empresas e os consumidores devam permanecer muito cautelosos).

Isto significa que as medidas fiscais, monetárias e do mercado financeiro serão fundamentais para mitigar os impactos sociais e económicos. Além disso, embora a primeira medida vá aumentar os défices orçamentais dos governos de países já muito endividados, a acção pode justificar-se, uma vez que se trata de um aumento pontual em caso de calamidade e porque, em termos relativos, o resto do mundo deverá ter o mesmo comportamento. Além disso, do lado monetário, não há muita margem para cortes nas taxas de juros (nomeadamente no Brasil, Chile, Colômbia e Peru).

Por último, mas não menos importante, dado o baixo nível geral de popularidade dos governos da região, dependendo da forma e da rapidez da sua reacção, pode haver uma oportunidade ou mesmo uma última ocasião para modificar a maneira de governar. Globalmente, o grau de risco não é homogéneo e resume-se a seguir, por ordem decrescente.

- A Argentina e o Equador são os países de maior risco, uma vez que detêm dívidas externas contra reservas de divisas muito limitadas. Relativamente à Argentina, o Presidente Fernandez tem sido elogiado por muitos pelos seus esforços para combater a propagação da COVID-19 no seu país (sendo um dos primeiros a declarar a quarentena). No entanto, um acordo com credores ainda não foi alcançado (o FMI sublinhou a necessidade de uma importante redução da dívida). No Equador, a queda acentuada do preço do petróleo representa um desafio adicional. A popularidade do Presidente Moreno é baixa e a confederação indígena CONAIE, que liderou os protestos em 2019, pede a suspensão de todos os pagamentos da dívida externa e a utilização desses fundos para apoiar a população durante a crise da COVID-19.

- No México, a COVID-19 atingiu uma economia já moribunda (o PIB caiu em 0,1% em 2019), afligida pelas incertezas trazidas pelas medidas controversas do actual governo. Além disso, a recessão de 0,9% prevista nos EUA, afectará ainda mais o seu vizinho do Sul, especialmente tendo em conta o aumento acentuado previsto da taxa de desemprego dos EUA (redução das remessas) e a diminuição da atividade industrial. Por outro lado, o Presidente AMLO deixou finalmente de minimizar a COVID-19 e declarou o país em estado de emergência na segunda-feira, 30 de Março (incentivando todos no sector privado a suspender todas as atividades não essenciais a partir de 30 de Março e até 30 de Abril). No entanto, as medidas fiscais estão ainda por anunciar.

- Com menor intensidade, a Colômbia também será afetada pela descida dos preços do petróleo, o que implica uma maior pressão sobre os seus grandes défices (fiscal e conta corrente). Além disso, embora os postos fronteiriços tenham sido temporariamente encerrados, é pouco provável que impeça totalmente o afluxo de refugiados venezuelanos (atualmente já existem 1,8 milhões de venezuelanos na Colômbia), uma vez que a fronteira tem mais de 2.000 km de comprimento.

–Por fim, no Brasil, a crise da COVID-19 causou faíscas políticas. O Presidente Bolsonaro recusou-se a impor restrições de mobilidade mais duras. Por conseguinte, os governadores dos Estados estão agora a assumir este papel. Apesar disso, foram anunciadas medidas de mitigação, parcialmente financiadas por realocação orçamental, mas também acrescentando novas despesas fiscais (o Governo agora estima que o défice primário poderá atingir 5% do PIB em 2020, a partir de 0,9% em 2019). Serão atribuídos recursos para a saúde e para prestar assistência financeira aos particulares e às empresas, para contrariar os efeitos negativos da pandemia na actividade económica.

- O Chile e o Peru, são pequenas economias abertas, altamente impactadas pelos preços mais baixos dos minerais, mas com maior espaço fiscal. No Peru, o Governo conta com uma popularidade relativamente maior para tomar as medidas necessárias. Entretanto, no Chile, o Presidente Piñera tentou recuperar a sua popularidade após os protestos perturbadores do final do ano passado (embora a consolidação para a reformulação da Constituição, prevista para 26 de Abril de 2020, tivesse de ser adiada). A probabilidade do seu sucesso ainda não é clara, mas, até agora, ele anunciou um estímulo fiscal de 4,7% do PIB.

Contacto


Para mais informações:

Cláudia MOUSINHO
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